Três estratégias para lidar com discordâncias morais

Por: Musa Al-Gharbi
Texto original: “Three Strategies for Navigating Moral Disagreements

Nós, na América e Europa Ocidental, e atualmente em muitos outros lugares no mundo, temos essa noção de que pessoas são fundamentalmente racionais. Por conta disso, nossa profunda capacidade cognitiva foi desenvolvida para nos ajudar a descobrir verdades objetivas sobre o mundo por meio de argumentos lógicos e observações empíricas. Pesquisas contemporâneas em ciência cognitiva, psicologia e em campos relacionados pintam um retrato muito diferente.

Por exemplo, gostamos de pensar que, em caso de discordância, apresentar fatos ou estatísticas, ou apelar para critérios racionais poderia ajudar a estabelecer um consenso de onde podemos partir. Na realidade, a menos que e até que se estabeleça um consenso, os apelos para esses tipos de critérios pretensamente objetivos geralmente polarizam as pessoas ainda mais.

E, quando ameaçados ou encurralados pelas evidências, em vez de admitirmos, geralmente levamos os debates para a esfera moral, na qual as afirmações se tornam muito mais difíceis de falsificar. Nesses casos, as evidências empíricas não apenas perdem a maior parte da sua força, mas até os argumentos que apelam para os interesses percebidos do próprio rival podem sair pela culatra.

Atualmente, geralmente nos círculos de mídia da elite ou círculos acadêmicos, essas tendências são discutidas como os produtos da ignorância, uma falta de sofisticação cognitiva ou o resultado de dogmatismo inocente. “Aquelas pessoas” resistem aos fatos e à lógica, “elas” são movidas por preconceitos e superstições. “Nós”, por outro lado, temos a mente aberta. “Nossas” crenças são oriundas de evidências e fatos. Estamos comprometidos com “a verdade” em vez de sermos movidos pela ideologia.

Mas aqui, novamente, em muitos aspectos, basicamente o oposto parece ser verdade:

Na verdade, quanto mais inteligente, educada ou retoricamente capacitada uma pessoa é, menor a probabilidade de que a pessoa mude de ideia quando confrontada com evidências ou argumentos que desafiam seus antecedentes. Existem duas grandes tendências que impulsionam esse fenômeno.

A primeira é que, em virtude de saber mais sobre o mundo ou saber argumentar melhor, etc., as pessoas estão melhor preparadas para encontrar formas de enfraquecer fatos inconvenientes ou encontrar motivos que justifiquem continuar com suas crenças. Aliás, é mais provável que uma pessoa goste de argumentar – e de se envolver em pesquisas e argumentos políticos como um hobby —  à medida que se torna mais capacitada intelectualmente e retoricamente.

Talvez seja surpreendente, mas, de certa forma,  intuitivo, se você pensar no assunto, pessoas altamente educadas ou inteligentes tendem a ter muito mais valores ideológicos do que o público em geral. Elas estão mais propensas a ser partidárias, a ser obcecadas por alguma causa moral e/ ou política, ou a usar algum modelo de estrutura intelectual ou idealizado para interpretar o mundo.

E, embora seja menor a probabilidade de pessoas educadas discriminarem outras com base em fatores como raça, há uma probabilidade  bastante significativa de terem preconceito contra pessoas que pensam de maneira diferente delas ou que tenham compromissos ideológicos diferentes.

Dado que debates moralizantes são quase imunes a todas as táticas em que fomos treinados a confiar — apelos a incentivos/obstáculos, apelos à lógica ou fatos, etc. — vou detalhar três estratégias que as literaturas sobre psicologia moral e cognição cultural sugerem para tornar questões moralizantes mais fáceis e debates mais produtivos (clique em cada uma para ver mais detalhes).

#1: MODERE A PERCEPÇÃO DO QUE ESTÁ EM JOGO NO CONFLITO OU DESENTENDIMENTO

Quanto mais as pessoas apostam no fato de que estão certas, menos dispostas a mudar elas estarão. Então, a primeira coisa a fazer, se você quiser evitar que um conflito escale para a esfera moral, ou para ajudar a trazer o conflito ’de volta à terra’, é reduzir os custos (identidade, reputação, normativos, práticos) do seu oponente admitindo que ele pode estar errado ou que você pode estar certo. Existem alguns elementos para isso:

Nunca coloque rótulos pejorativos. Não atribua motivos ruins.

Uma pessoa não precisa ser ruim (egoísta, sexista, racista, etc.) para discordar de você. Elas também não precisam ser ignorantes, estúpidas, malucas nem ter sofrido uma lavagem cerebral. Dada a complicação e incerteza de muitas questões e fenômenos, para praticamente todos os tópicos que você possa imaginar existe espaço para discordâncias razoáveis.

Quando, ao contrário, se insinua ou alega que a fonte do conflito é algum atributo negativo que a outra pessoa tenha, a conversa tem poucas chances de ser produtiva.

Por que?

Bem, antes de mais nada, você está pressupondo que seu interlocutor certamente está enganado. Se o único motivo para as pessoas manterem uma  posição for o racismo, então está além da esfera das possibilidades elas estarem corretas – totalmente, ou até em parte –, certo?

Isso sugere que você mesmo pode estar argumentando de má fé: você quer que elas mudem de ideia e achem que você pode estar certo, mas você não está disposto a fazer a mesma coisa. A pessoa com que você está discutindo geralmente devolverá esse tipo de energia na mesma moeda.

Quando as pessoas colocam esses rótulos, elas também estão impondo um custo reputacional muito alto para a concordância. Se a única forma de alguém conseguir reconhecer um determinado fato é reconhecer implicitamente que sofreu uma lavagem cerebral ou é ignorante — que sua posição anterior era racista, etc. – então, como regra, as pessoas simplesmente não farão isso. E, na verdade, não importa quais são os fatos. Porque, nesse caso, não é sobre os fatos, é sobre as pessoas. E como elas se veem e como são vistas pelos outros.

Então, sempre, sempre critique posições em vez de pessoas, quando for possível. E nunca associe a defesa de uma posição com a existência de algum tipo de deficiência mental ou de caráter.

As pessoas não devem precisar abandonar sua visão do mundo para concordar com você.

Reconhecer a realidade das mudanças climáticas não significa que eu tenho que votar em democratas nas próximas eleições ou que eu tenha feito isso nas últimas eleições. Ou, pelo contrário, reconhecer que uma intervenção estadual específica parece ser menos eficaz ou eficiente do que o mercado não significa que devo adotar uma abordagem neoliberal para outras questões. Uma pessoa pode apoiar isenções religiosas sem ser um conservador ou até mesmo um crente.

As pessoas ficam muito mais propensas a considerar esses tipos de possibilidades quando seu senso mais amplo de identidade não está sendo ameaçado. Portanto, é imperativo criar um clima no qual seu interlocutor possa reconhecer um fato, ou endossar uma posição, sem abandonar — ou sentir que traiu — seus compromissos com a identidade. Mais sobre isso em breve.

Em primeiro lugar, deve haver um acordo sobre os fatos de um caso. As implicações e aplicações vêm em segundo lugar.

Geralmente as agrupamos “já que as mudanças climáticas são reais, temos que ter regulamentos mais rigorosos forçando a produção de produtos mais eficientes ou aumentando radicalmente os custos dos resíduos”.

Não é sensato discutir dessa forma com uma pessoa cética:

Se a escala na qual os seres humanos contribuem para as mudanças climáticas já era controversa para a pessoa com quem você está discutindo, se elas acharem que aceitar as mudanças climáticas significa que também devem aceitar programas sociais massivos e intervenções coercitivas do governo – isso será bem mais difícil.

Para ater-se a esse exemplo: primeiramente, trabalhe em prol de uma concordância sobre os detalhes, como a realidade das mudanças climáticas, a escala na qual as pessoas estão gerando tais mudanças, a gravidade do problema que as mudanças climáticas representam, etc. Então fale sobre o que fazer a respeito ou como melhor abordar o problema. Existe alguma solução viável no mercado para mitigar os riscos? Seria necessária uma intervenção do estado? Uma abordagem mais ecumênica pode ser mais eficiente (ou até necessária)? Comece pequeno e vá desenvolvendo.

Para moderar o que está em jogo em uma discordância, reduza sua visibilidade.

Com relação aos fóruns digitais, uma forma de moderar o que está em jogo às vezes será continuar a conversa num ambiente menos público – tal como um e-mail privado, mensagens diretas (ou até mesmo um telefonema ou encontro presencial, dependendo da situação).

Em ambientes públicos existe muito mais pressão para se adequar ao grupo, para sinalizar virtudes, etc. Também é muito mais constrangedor admitir para todo o mundo que você estava errado do que admitir para uma única pessoa.

Geralmente as pessoas são muito mais equilibradas em ambientes mais íntimos. Portanto, uma forma (geralmente fácil) de moderar o que está em jogo em um debate é reduzir sua visibilidade. Isso também pode ajudar a excluir a possibilidade de efeitos de turba (e impedir desvios por outras pessoas entrando na conversa e que talvez sejam mais tóxicas, radicais, menos investidas na conversa ou no relacionamento, etc.).

Não exija muito da conversa

Geralmente as pessoas entram nas conversas com expectativas irreais daquilo que pode ou será alcançado. Existe uma expectativa de que um lado seja convertido para a maneira de pensar do outro lado, ou que ambos cedam um pouco e se encontrem no meio do caminho. Isso cria uma pressão desnecessária para ver o “oponente” ceder primeiro para não “perder” a discussão. É uma forma ruim de enfrentar a maioria das conversas.

Falando de maneira realista, em qualquer interação pontual com uma pessoa, é altamente improvável uma grande mudança de opinião. Em muitos casos, ‘o encontro no meio do caminho‘ pode ser praticamente impossível — assim como algumas diferenças podem não ser conciliáveis —, pois não giram em torno de questões que podem ser resolvidas de forma lógica ou empírica de maneira decisiva (geralmente essas diferenças são o produto de compromissos divergentes com a ideologia ou identidade, importantes experiências de vida, etc.).

Em casos de discordância profunda, a meta inicial e principal deveria simplesmente ser entender claramente de onde o interlocutor está partindo e de ser bem compreendido por ele.

Em muitos casos, é uma grande vitória simplesmente sair da conversa sabendo — de forma concreta em vez de meramente abstrata — que aquelas pessoas do “outro lado” de uma determinada questão não são necessariamente estúpidas, malucas, ignorantes ou más (ver: atribuição de motivo assimétrico) — que pode haver uma discordância moralmente e intelectualmente defensável sobre a questão.

Na verdade, eliminar esse referencial inicial não é  importante apenas para o aprendizado e o crescimento , mas também pode facilitar a conversão de críticos e céticos — na medida em que isto ainda for desejável, já que a pessoa tem uma compreensão melhor do ponto de vista do outro (veja as estratégias 2 e 3 para mais detalhes sobre esse ponto).

#2: APELE PARA A IDENTIDADE, OS VALORES, NARRATIVAS, ESTRUTURAS DE REFERÊNCIA DO SEU INTERLOCUTOR, QUANDO POSSÍVEL

Existe um estilo de argumentação que está na moda, especialmente nos círculos acadêmicos e na mídia, no qual se inicia a fala com uma declaração do tipo “Como afro-americano…” ou “Como muçulmano…”

Em princípio, essa abordagem tem a finalidade de sinalizar a credibilidade e os motivos da pessoa para assumir uma posição expondo alguns dos limites da perspectiva da pessoa ou algum preconceito que a pessoa possa ter. Muitos pensam que, ao colocar isso na frente, estão argumentando “como um muçulmano negro” etc., que isso pode ajudar a gerar confiança ou entendimento entre as pessoas.

Na prática, contudo, isso só torna mais evidentes as diferenças entre as pessoas — o que empurra as duas partes em direção a posições alinhadas com o que elas “devem” pensar como membros do tal grupo com o qual se identificam. Em outras palavras, isso polariza as pessoas e as torna menos dispostas a ceder — porque a discordância, então, não é uma disputa lógica ou empírica, mas um conflito de identidade.

O que é muito mais eficaz é começar apelando para metas ou identidades abrangentes. “Nós dois somos americanos, preocupados com o que é melhor para o nosso país, certo?” ou “Nós dois somos pais, tentando cuidar do futuro dos nossos filhos…” etc.

Ainda mais eficaz? Defender a sua posição pelo ‘outro lado‘.

Fale com as pessoas na linguagem delas

Se você está tentando convencer um ateu de que ele deve realizar alguma ação porque está no Alcorão, isso não será muito eficaz. Se você está justificando a sua posição apelando para  a performatividade de uma raça ou a fluidez de um gênero em qualquer local fora do ambiente de uma universidade, na verdade, então você simplesmente não será convincente para a maioria das pessoas na maioria dos casos.

Se você quer que alguém considere suas afirmações empíricas supondo que os fatos estejam realmente do seu lado, na verdade é bem mais fácil ser convincente se você ceder a vantagem de “jogar em casa”. Caso contrário, vocês estarão argumentando sobre enquadramento, além dos fatos.

Então, por exemplo, se você for um conservador falando com um progressista, tente explicar o porquê, como um progressista; eles podem achar a sua posição convincente.

Alguns avisos importantes:

1. Você certamente não quer argumentar que A interpretação correta do progressismo, islamismo, ou qualquer ideologia com a qual você esteja envolvido é aceitar a sua concepção específica disso. Isso é presunçoso, especialmente vindo de alguém que não faz parte do grupo. Sua afirmação deveria ser muito mais humilde, algo como “eis uma possível maneira de abraçar essa visão que parece coerente com os seus outros compromissos”.

2. Isto exige um certo trabalho. O que você não quer é acabar caricaturando a posição das outras pessoas: isso, é claro, seria ofensivo.  Isso demonstraria, mais do que qualquer outra coisa, o quão pouco você entende, em vez de demonstrar que você de fato os entende – e o quão pouco esforço você parece ter feito para entender a posição deles. Fica parecendo transparentemente manipulador para começar, e isso provavelmente acabará com qualquer boa vontade que eles tenham mostrado no início na conversa.

3. Sobre esse ponto: não seja desonesto. Nunca diga coisas em que você não acredita na tentativa de abordar as coisas ‘pela perspectiva deles’. Não finja ser algo que você não é. Isso é antiético e desrespeitoso — e, se descoberto, destruirá completamente qualquer credibilidade que você possa ter futuramente. A conversa estará efetivamente acabada.

Digamos então que você é um progressista que está prevendo uma discussão sobre um assunto específico com um conservador. Se você quiser adotar os enquadramentos dos conservadores, você terá que pesquisar as visões conservadoras sobre o assunto. Quais são os argumentos que eles usam contra a sua posição? Há algo que você possa encontrar para concordar, ou coisas que você não havia considerado, mas que agora parecem bastante importantes? Esses podem ser excelentes pontos de partida para criar áreas de concordância. O que, especificamente, acho problemático no que diz respeito à posição deles? Por quê? Existem dissidentes conservadores que de fato compartilham minha posição sobre esse assunto (por exemplo, aqui estão argumentos conservadores para renda básica garantida, seguro-saúde pago individualmente, reforma da justiça criminal, proteção ambiental, reconhecimento do casamento gay e restringindo o capitalismo – para começar).  Como eles defendem suas teses? Qual linguajar usam?

Vale o esforço?

Sim!

O que acabei de descrever pode parecer muito trabalhoso e intimidador – mas, na verdade, é uma grande aventura. Não será um estorvo: se você se aprofundar numa visão de mundo radicalmente alternativa – com uma mente aberta – ficará impressionado.

Às vezes a exploração pode ser desorientadora, frustrante ou motivadora – mas você aprenderá muito.  Você pode não abandonar seus compromissos, mas, com certeza, verá as coisas de forma dramaticamente diferente. No mínimo você vai descobrir que seus rivais não são malucos, estúpidos ou maus – eles têm motivos legítimos para defender suas posições em muitas questões. Isso por si só – realmente internalizar isso – pode ser importantíssimo.

E, devo acrescentar, você não precisa buscar fluência com outra visão, apenas competência.

Pense nisso como viajar para outro país: se você não for ótimo em observar os costumes locais, ou se você se enrolar um pouco com o idioma – mas as pessoas perceberem que você está de fato tentando e se esforçando – geralmente não se incomodarão com seus erros. Eles acham charmoso você estar se esforçando para corresponder, em vez de esperar que eles falem o seu idioma ou se adaptem à sua maneira de fazer as coisas. Então, as pessoas em geral deixarão as coisas correrem ou até ajudarão você com o idioma ou os costumes, etc.

Na verdade, é provável que as pessoas com quem você interaja não falem perfeitamente seu próprio idioma; elas podem não se envolver plenamente com todos os costumes, tradições, etc. O que isso significa em relação ao envolvimento com diferenças morais ou políticas é o seguinte: você não precisa tentar ser especialista na teoria racial crítica, no cristianismo ou em qualquer outro assunto  que seu interlocutor abordar —, pois as pessoas provavelmente também não são ideólogas ferrenhas.

Entretanto, as pesquisas demonstram que as pessoas se tornam muito mais dispostas a reconsiderar ou até mudar suas visões, aceitar fatos controversos, etc., quando esses são apresentados a eles em termos dos seus próprios valores, compromissos e estruturas de referência (veja aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui para se iniciar nessa literatura).

Mais uma vez, um dos motivos pelos quais isso funciona é porque modera o que está em jogo na discordância: isso ressalta que eles não precisam abandonar a própria  identidade ou os próprios compromissos para trabalhar com você. Entretanto, isso também demonstra boa-fé da sua parte — você valoriza a perspectiva deles o suficiente para investir tempo para entender e realmente ouvir e buscar terreno em comum.

#3 LIDERE DANDO O EXEMPLO. DEMONSTRE CIVILIDADE, FLEXIBILIDADE, HUMILDADE INTELECTUAL E BOA-FÉ SE QUISER QUE OS OUTROS FAÇAM O MESMO

Basicamente, isso se resume à regra de ouro.

Numa conversa de boa-fé, ambas as partes devem aceitar a possibilidade de estarem erradas – em parte ou até totalmente – e ambas as partes devem estar preparadas para mudar de ideia. Não é sensato que você espere ou exija que eles mudem de ideia em resposta a argumentos/provas se você não estiver sinceramente preparado para fazer a mesma coisa.

Um bom exercício é se perguntar às vezes “por que acredito nisso? O que me faria mudar minha visão sobre isso? O que eu não sei sobre este assunto que poderia ser importante?” Se você achar que não há nada que possa fazer você mudar de ideia sobre um assunto, isso é um sinal de que você pode não estar se envolvendo de boa-fé.

De outra forma, pergunte-se o que quer conseguir com esta conversa. Seja honesto com você mesmo: se a meta não for ir atrás da verdade aonde quer que ela leve, mas, em vez disso, defender uma posição específica, então provavelmente a conversa não será tão produtiva. E você pode estar se privando de uma oportunidade de aprender, crescer e construir relacionamentos nesse processo.

A realidade dos fatos é que a maioria de nós não é especialista nos assuntos que tendemos a discutir com as pessoas (e mesmo que fôssemos, isso não necessariamente nos isentaria de críticas legítimas ou dúvidasEspecialistas também são pessoas, afinal de contas.) Na maioria dos casos e na melhor das hipóteses, talvez tenhamos lido alguns artigos ou algo assim – e não artigos científicos, mas, geralmente, artigos na imprensa popular.

Por exemplo, se você está tentando discutir com alguém sobre mudanças climáticas, pergunte a si mesmo – o quanto você realmente sabe sobre a ciência do clima? Você já leu artigos ou livros científicos sobre o assunto? Você já fez algum curso sobre ciência do clima?

Eis um fato divertido: Os negacionistas da mudança climática tendem a ser, em média, mais informados sobre a ciência do clima do que aqueles que consideram a mudança climática uma ameaça grave.

Isso também é um pouco intuitivo quando você pensa no assunto: A maioria de nós está perfeitamente satisfeita em acatar ao aparente consenso científico. Então não precisamos conhecer a literatura, apenas dizemos: “Bem, os cientistas acreditam nisso e eu confio neles”.

Entretanto, no caso daqueles que estão relutantes em confiar na posição do consenso e que têm um posicionamento de oposição –, eles sabem que terão que justificar isso. Eles sabem que sua posição será impopular e  que serão tachados de negacionistas que ignoram a ciência. Então, estão mais propensos a ler – incluindo literatura científica de verdade. Eles estarão mais motivados a se familiarizar com as grandes questões, identificar aparentes pontos fracos/ lacunas/ contradições na literatura, identificar dissidentes e seus argumentos.

O que, nesse caso, se torna frustrante para muitos negacionistas é que eles se envolverão com os defensores da mudança climática, que claramente têm menor exposição à ciência do clima do que eles – mas que os desconsideram como se soubessem mais. Quando, muito frequentemente, não sabem.

O conselho: não apele para o que a “ciência diz” em uma discussão se você não estiver familiarizado com tal ciência. Na verdade, sugiro que você admita que não leu a literatura, se não tiver lido. Isso demonstra honestidade, humildade e boa-fé. Taticamente falando, isso pode ajudar a inverter o ônus da prova:

Se o seu oponente diz que leu a literatura e é por isso que defende sua posição — ótimo! Aproveite a oportunidade para pedir coisas para ler em jornais e outras fontes confiáveis. Se ele estava blefando, isso ficará óbvio de imediato. Mas, se estiver falando sério e, de fato, fornecer conteúdo confiável, você dever ler o material quando puder e responder! Afinal, se você é apaixonado o suficiente pelo assunto para discutir, você deve ser apaixonado o suficiente para pesquisar mais, certo? No mínimo isso irá preparar você para discussões futuras com outras pessoas, familiarizando-se com essas fontes e argumentos. Mas você pode até aprender algumas coisas!

Se fizerem uma pergunta e você não tiver uma resposta, não tenha medo de dizer: “Não sei. É uma boa pergunta. Vamos estudar isso juntos. Por onde você acha que devemos começar?” Isso demonstra que você de fato tem a mente aberta e se envolve de boa-fé. Isso cria uma oportunidade para o desenvolvimento a partir de um espaço compartilhado (se vocês dois consultarem a mesma fonte), para continuar a conversa e aprender mais sobre o assunto em pauta.

Enfatize quando seu interlocutor levantar um ponto importante. Se você aprender algo interessante com a conversa, diga! Se eles apresentarem uma ideia atraente sobre a qual você não havia pensado, reconheça! Se você acha que a sua posição inicial pode estar errada, assuma!

Não pense em termos de marcar pontos. Você não “vence” uma discussão fazendo com que a outra pessoa passe para o seu lado – você vence ao entender melhor a verdade.

Não deixe que suas emoções dominem.

Uma grande contribuição de Jacques Derrida, Michael Foucault, Judith Butler et al. foi destacar o poder que as palavras e os símbolos podem ter sobre nós. Contudo, uma boa parte dessa influência resulta de darmos poder a elas no momento do encontro. Temos um certo controle sobre se, e como, permitimos que palavras e símbolos nos impactem — e, com disciplina e prática, podemos ganhar mais.

Isso é importante porque, apesar de as emoções geralmente transmitirem informações importantes, elas geralmente nos enganam também (assim como todas as nossas outras faculdades). Às vezes nossa reação emocional inicial não é a correta — o que fica claro com um pouco de tempo e distanciamento. Frequentemente as nossas reações são o resultado de ouvirmos o que queremos ouvir ou de uma percepção ou interpretação equivocada daquilo que foi dito.

No calor do momento, as pessoas também podem usar um linguajar grosseiro que poderia (e deveria) ser mais cuidadoso ou preciso – mas que não precisa desvirtuar uma conversa. Perguntar “o que você quis dizer com isso?” ou “por que você está dizendo isso?” muitas vezes pode  contribuir muito para resolver um mal-entendido ou abrandar uma resposta inicial ameaçadora.

Outras vezes, é claro, as pessoas estão tentando se colocar no lugar do outro ou desequilibrá-lo. Nestes casos é especialmente importante prestar atenção às – e ter controle das – emoções. Não caia na cilada! Mantenha o foco no que importa e tente guiar a conversa numa direção mais produtiva. Isso nem sempre será possível. Se o interlocutor parece estar empenhado em se envolver de má-fé, cogite parar de se envolver. De qualquer forma, uma pessoa não precisa (e provavelmente não deveria) dar às outras as reações que elas procuram quando estão querendo provocar.

Para encerrar, contudo, devo alertar contra um perigo peculiar que ameaça aqueles de nós que estudam a cognição ou a psicologia. É a tentação de pensar algo como:

“Entendo os vieses e preconceitos e estou ciente deles – portanto, eu os levei em consideração ou posso até estar imune a eles.”

E seu corolário:

Outras pessoas, contudo, não têm essa autoconsciência. Este é o problema: elas precisam ter consciência do quão preconceituosas são.”

Existe uma analogia óbvia na religião que talvez valha a pena estender um pouco: Em princípio, conhecer suas próprias fraquezas, falibilidade e defeitos deve inspirar as pessoas a ter mais humildade e bondade perante os outros. Contudo, na prática, geralmente uma profunda sensibilidade ao pecado torna as pessoas mais críticas. Todos conhecemos o tipo: “Em vez de ficar atento aos meus próprios defeitos, vou apontar os seus. Porque pelo menos sei que sou um pecador, e você parece não estar suficientemente ciente disso. Na verdade, estou tentando lhe ajudar ao mostrar o quão ruim você é.”

É exatamente desse tipo de mentalidade que devemos nos proteger o tempo todo! Estudar esses fenômenos não nos torna ‘melhores’ do que ninguém – essas tendências mentais se aplicam tanto à ‘nós’ como aos ‘outros’. Na verdade,  muitas vezes me pego em padrões de comunicação que não são ideais, especialmente na vida particular ou nas redes sociais – e, então, (geralmente) tento corrigir isso quando posso.

Resumindo: a única forma de a consciência desses problemas se tornar útil é por meio das ações que realizamos em resposta: Buscar ativamente a desconfirmação. Ficar atento à possibilidade de estar errado. Tentar ver as coisas pela perspectiva do outro. Ou seguir a metáfora religiosa: pratique aquilo que você prega!

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