Por que instituições de ensino deveriam se engajar no campo da despolarização

Por: Pedro Franco

Instituições de ensino se encontram em uma encruzilhada crítica frente às disfunções da nossa cultura cívica. Se, por um lado, escolas e universidades são particularmente vulneráveis aos efeitos tóxicos da polarização ideológica, elas estão, por outro, em uma posição privilegiada para adotar e implementar as ferramentas da despolarização de modo a fortalecer e realizar a sua missão institucional. Enumero aqui alguns dos principais motivos pelos quais profissionais da educação se beneficiariam em se engajar no campo da despolarização, levando em conta os riscos e oportunidades que nossa crise cívica introduz no contexto educacional. 

A escola é um ensaio para a vida adulta – e, portanto, para a vida cívica. Tradicionalmente, espera-se que nossas instituições de ensino ajudem a preparar seus alunos para exercer sua cidadania de forma plena em uma sociedade plural. No entanto, vemos muitos indícios de que a experiência acadêmica pode estar tornando alunos menos, e não mais tolerantes em relação à divergência ideológica. Relatos recorrentes de embates políticos destrutivos dentro das nossas escolas e universidades dão margem à pergunta: se nossas instituições de ensino não se prepararem para lidar com tensões políticas dentro do campus e da sala de aula, como garantir que seus alunos estão sendo preparados para lidar com essas tensões fora do campus e da sala de aula? Quando a polarização tóxica se manifesta na educaçnao, ela alimenta antagonismos e ressentimentos à esquerda e à direita e fortalece atitudes que inevitavelmente transbordam do campus para a cultura cívica no entorno.

Confiança institucional e relações públicas. Casos de intolerância e polarização política no campus e na sala de aula facilmente alcançam repercussão midiática, viralizam nas redes sociais e geram pressão externa por respostas institucionais das escolas e universidades onde ocorrem. Refletir adequadamente sobre a forma que essas respostas deve tomar é crucial para evitar a deterioração da confiança social da qual nossas instituições de ensino tanto dependem. Quando contaminada pelos embates das guerras culturais, a relação entre pais, alunos e professores pode ter efeitos nefastos no clima escolar e prejudicar o desenvolvimento dos alunos. O campo da despolarização oferece ferramentas para lidar com esses embates e preservar relacionamentos críticos para o bom funcionamento das nossas comunidades educacionais. 

Matérias estão se politizando – e isso não é culpa dos professores. Apesar dos clamores por ‘neutralidade ideológica‘ no ensino, não é realista querer banir a política da sala de aula. Na verdade, isso está se tornando cada vez mais difícil. Um dos efeitos notáveis da polarização é que cada vez mais discussões sobre cada vez mais assuntos estão evocando as categorias divisórias da política. Nem mesmo a ciência é mais imune à politização. Saber navegar discussões políticas, dialogar com oponentes ideológicos e negociar nossas identidades grupais passa então a ser uma exigência para abordar diversas matérias com a mente aberta e liberdade intelectual. O desenvolvimento dessas competências está no cerne do campo da despolarização.

Controversa política como eixo pedagógico. A politização de matérias escolares descrita acima é um desafio, mas não necessariamente um problema. De fato, a controversa pode ser um poderoso instrumento pedagógico quando manejada por professores competentes. Estruturar discussões com base em prós e contras, fazer com que alunos tentem defender pontos de vista diferentes dos seus e encorajar a busca por sínteses argumentativas é uma fórmula para estimular o aprendizado que se encaixa particularmente bem em assuntos politizados. Instituições de ensino que investirem nessas estratégias pedagógicas também estarão ajudando alunos a cultivar o distanciamento crítico necessário para enfrentar outras controversas em ambientes não controlados, sejam de natureza política ou não.

Gerenciamento e resolução de conflito beneficia alunos em uma série de empreendimentos sociais e intelectuais. O conflito, seja ideológico ou de outra natureza, é uma constante da vida. Portanto, programas voltados ao desenvolvimento da capacidade de lidar com o conflitos podem oferecer ao aluno uma série de ferramentas imprescindíveis para a vida em sociedade. Tais programas também podem ser incorporados em matérias diversas e não representam um desvio de foco para instituições de ensino: de fato, estudos mostram que alunos que desenvolvem competência básicas para a resolução de conflitos também tendem a desenvolver com mais facilidade competências acadêmicas tradicionais como leitura, escrita e matemática.

Autocensura e clima de expressão. Rótulos, estereótipos e ‘cancelamentos’ pairam sobre cada vez mais discussões, gerando pressões psicológicas nocivas para comunidades de ensino e aprendizado. Escolas e universidades onde as pessoas não se sentem livres para se expressar estimulam hábitos cívicos e intelectuais pouco saudáveis. Instituições de ensino podem evitar que a autocensura prolifere pelo campus na medida em que amenizam os custos sociais da divergência ideológica e preparam alunos e professores para lidar de forma produtiva com essas divergências quando se manifestam. 

Os mecanismos psicológicos associados à polarização podem gerar barreiras para o aprendizado. A polarização tende a fortalecer uma série da hábitos cognitivos que enrijecem a nossa interpretação da realidade. Saber reconhecer nossos próprios vieses se torna, portanto, uma competência-chave tanto para o desenvolvimento intelectual quanto no campo da despolarização. Estratégias pedagógicas para desenvolver a meta-cognição (isso é, auto-consciência dos diversos processos cognitivos que ativamos para raciocinar e fazer juízos) trazem benefícios para o aprendizado de alunos de todas as idades. Atividades meta-cognitivas são transferíveis para vários domínios, aprimoram a autonomia intelectual do aluno e promovem desenvolvimento socioemocional – além, é claro, de incentivarem a humildade intelectual e o raciocínio crítico necessários para se engajar em nossa cultura política de forma saudável.

Pesquisa e desenvolvimento. É inútil – para não dizer perigoso – intervir em um problema que não entendemos direito. Instituições de ensino e pesquisa estão particularmente bem-posicionadas para levantar mais dados sobre a crise cívica em que nos encontramos. Com o engajamento dessas instituições no campo da despolarização, poderemos direcionar pesquisas para compreender melhor a nossa sociedade polarizada e desenvolver instrumentos pedagógicos cientificamente embasados para intervir nos aspectos mais tóxicos dessa divisão. Esse é talvez o principal motivo pelo qual o campo da despolarização não se desenvolverá sem o apoio das nossas universidades.

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Devo enfatizar que não estou propondo ou observando nada de particularmente novo com a lista acima. Na verdade, estou me baseando em trabalhos que já vem sendo realizados em várias instituições de ensino ao redor do mundo, inclusive no Brasil. No Brasil, no entanto, esforços locais raramente atingem repercussão, e uma abordagens sistemáticas ainda carecem elaboração. Carecemos também das redes colaborativas necessárias para difundir os padrões de melhores práticas desse campo. Priorizei nesse texto a brevidade, e não coloquei todas as referências que gostaria para apontar caminhos concretos de ação. Termino, portanto, com algumas referências institucionais que podem ajudar profissionais de educação no Brasil a se informarem e se organizarem em torno desses temas.

A Heterodox Academy é uma associação de docentes e pesquisadores a ser acompanhada. Em termos de programas pedagógicos para lidar com os desafios acima, recomendo o trabalho da Constructive Dialogue Institute

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