Por que devemos nos preocupar com a diversidade ideológica na Academia

Por: Musa Al-Gharbi
Texto original: “Why Should We Care About Ideological Diversity in the Academy?

A Heterodox Academy se preocupa em promover o livre questionamento, discordâncias construtivas e a diversidade de pontos de vista.

Essa última meta é interpretada de forma ampla: queremos ver maior diversidade na academia no que diz respeito à condição socioeconômica, raça, nacionalidade, gênero e sexualidade — e também a diversidade que surge ao dialogar com literaturas, metodologias e quadros analíticos de outras disciplinas — sob a crença de que a inclusão dessas perspectivas irá aumentar a qualidade e o impacto da pesquisa social.

Contudo, boa parte dos nossos esforços até aqui foram focados em promover a diversidade ideológica. Isso deve-se, em grande parte, a esse fato: enquanto o valor de outras formas de diversidade tornou-se amplamente aceito, a diversidade ideológica — e a diversidade política em especial — não gozam do mesmo respeito.

Talvez a resposta mais frequente recebida dos meus colegas quando menciono a escassez de perspectivas conservadoras na academia (e especialmente nos campos de pesquisa social) seja algo como: “o que dizer de outros grupos historicamente desfavorecidos ou sub-representados? A sub-representação de acadêmicos negros, hispânicos, mulheres, LGBTQ não é um problema maior do que a escassez de conservadores?”

Falando estatisticamente? Nem tanto: comparando diretamente as taxas de referência na população em geral com a representação na academia, as universidades aparentam ter muito mais diversidade no que diz respeito à raça, gênero ou até sexualidade em comparação com a  diversidade política. Essas distorções ficam ainda mais evidentes nos campos de pesquisa social:

Abaixo eu detalho as respostas mais frequentes dadas pelos acadêmicos progressistas quando confrontados com esses dados — e respondo a essas objeções usando as melhores evidências empíricas disponíveis para as perguntas e questões levantadas.

Para os que querem defender a diversidade ideológica (e política) na pesquisa social e na pedagogia, mas enfrentam colegas e alunos céticos — ou para os céticos em si —, esse texto tem a finalidade de ser um recurso para você:

Quanto aos conservadores como o grupo mais sub-representado: Não é uma comparação válida comparar diversidade ideológica com diversidade de raça, gênero ou sexualidade. Ideologia é uma escolha. E é perfeitamente legítimo tratar as pessoas de maneira diferente com base nas suas escolhas.

Esse enquadramento implica que raça, gênero ou sexualidade são intrínsecos (e, portanto, presumivelmente, invariáveis). Mas, de fato, o gênero e a identidade sexual das pessoas frequentemente mudam no decorrer das suas vidas. Aliás, até identidades raciais e étnicas mudam — por exemplo, em resposta a classificações legais, depois de receber um exame de DNA ou descobrir registros históricos que sugerem uma herança familiar da qual a pessoa não estava ciente, ou como resultado do casamento, as comunidades onde se vive, eventos sóciopolíticos atuais, e assim por diante.

Mas, é claro, só porque a identidade de gênero, sexualidade ou raça de uma pessoa pode mudar, isso não significa que elas sejam fortemente volitivas: resolver a identidade sexual de uma pessoa não é o mesmo que decidir onde se vai jantar hoje.  Então, a pergunta é: os compromissos políticos são semelhantes às identidades racial, de gênero ou sexual? Ou parecem mais com decisões sobre o que vestir ao acordar de manhã?

Por exemplo, um progressista empenhado — alguém que acreditava fortemente nos princípios fundamentais do movimento — poderia simplesmente um dia decidir ser um conservador e sentir o mesmo compromisso com a mesma convicção (ou vice-versa)?

Um ponto similar em relação à religião: um ateu convicto poderia simplesmente “escolher” ser um místico Sufi devoto ou Hindu fundamentalista? Não somente no que diz respeito à prática, mas um crente sincero?

A maioria das pesquisas em psicologia, cognição ou cultura sugere que compromissos fundamentais simplesmente não funcionam assim. Pelo contrário, certas afinidades biológicas e, de outra forma, intrínsecas são formadas por meio de muitas das mesmas forças sociais que constroem a raça, o gênero ou a sexualidade.

Na verdade, para muitas pessoas, compromissos religiosos ou sociopolíticos são de fato mais cruciais para a sua identidade do que seu gênero, sexualidade ou raça. Compromissos fundamentais geralmente ajudam a formar compreensões dessas categorias demográficas subordinadas e sua importância social. No processo, eles informam o que as pessoas valorizam, a que aspiram e como agem ou interagem “no mundo”.

Compromissos fundamentais geralmente funcionam como uma etnia (é por isso, por exemplo, que a islamofobia pode ser considerada uma forma de racismo, apesar de o Islã não ser uma “raça”: na maioria dos países ocidentais, a identidade muçulmana de uma pessoa se sobreporia essencialmente à real raça ou descendência étnica de uma pessoa na formação das percepções e interações). Assim como muitas minorias étnicas “reais”, membros de “grupos étnicos funcionais” geralmente acabam concentrados em grupos geográficos e padrões de vida que persistem por gerações.

Nos EUA, o espectro conservador-progressista tende fortemente a seguir as linhas da geografia e da classe social. Seria, portanto, de se esperar que as instituições que excluem os conservadores também tendessem a ter uma grave sub-representação entre, digamos, americanos da classe trabalhadora e rural (que têm maior probabilidade de se identificar como conservadores do que os americanos urbanos ou mais abastados). Aliás, esse é o caso em instituições de ensino superior nos EUA: conforme as universidades cresciam cada vez mais politicamente homogêneas (em direção à esquerda), a participação entre americanos rurais e da classe trabalhadora despencava.

É claro que fatores econômicos têm um papel fundamental na criação desse efeito, mas também a percepção entre muitas famílias rurais e da classe trabalhadora de que a faculdade não é “para eles” – que eles não “pertencem” lá. Isso desestimula muitos que dispõem dos meios financeiros ou das notas para concorrer a bolsas de estudo e auxílio financeiro a se candidatar (ou, se cursam, a lutar contra a “síndrome do impostor” – até o ponto em que alguns acabam sendo reprovados ou desistem).

Resumindo: medidas que excluem os conservadores dos espaços universitários tenderão a marginalizar pessoas rurais e da classe trabalhadora mais amplamente – pois, em muitas questões importantes, progressistas e conservadores não são os mesmos tipos de pessoas que, por acaso, votam de forma diferente (nesse caso, a discriminação parece menos clara), mas são, cada vez mais, tipos diferentes de pessoas.

Criticamente, etnia não é o mesmo que raça. Etnias podem incluir uma ampla gama de raças – por exemplo, há brancos hispânicos, negros hispânicos, e tudo o que houver entre eles. Etnias funcionais não são diferentes: Muçulmanos nos EUA, por exemplo, são extremamente diversos no que diz respeito à raça e à nacionalidade.

Da mesma maneira, “rural” e “classe trabalhadora” não são meros sinônimos para “branco”.  De fato, políticas e práticas prejudiciais aos brancos rurais da classe trabalhadora provavelmente terão um efeito especialmente nocivo nas minorias rurais ou da classe trabalhadora.

“Conservador” também não é um sinônimo para “branco”.

À medida que pessoas com visões conservadoras ou religiosas se sentem desconfortáveis na academia (e especialmente em campos de pesquisa social) – não serão apenas os brancos os excluídos, mas também muitos negros e hispânicos:

Apesar de os negros votarem majoritariamente nos democratas, eles de fato são muito mais heterogêneos nos seus aprendizados ideológicos do que seus padrões de votação sugeririam – especialmente em questões relacionadas ao gênero, à sexualidade ou até à imigração. Os hispânicos também tendem a ser mais conservadores do que os brancos em diversas questões sociais. Negros e hispânicos também tendem a ser mais religiosos do que os brancos.

Dado que negros e hispânicos são, na média, mais religiosos e mais socialmente conservadores  do que os brancos – as políticas e práticas que alienam as perspectivas socialmente conservadoras ou religiosas irão afetar desproporcionalmente esses grupos minoritários em vez de os brancos (ou seja, alunos hispânicos ou negros provavelmente seriam mais impactados por essas medidas excludentes em virtude de serem, provavelmente, mais religiosos ou socialmente conservadores).

Portanto, pode não ser coincidência as taxas de representatividade de negros, hispânicos e conservadores serem tão similares, e a representatividade de alunos da classe trabalhadora, negros e/ou hispânicos ter diminuído nas universidades de elite e da costa leste, nas quais o predomínio da esquerda é maior. Em princípio, esses espaços hiperliberais deveriam ser os espaços menos hostis para esses grupos. Na verdade, a exclusão de conservadores e crentes da academia parece se opor à meta de trazer mais pessoas de origens historicamente marginalizadas e sub-representadas, ou de promover suas manifestações.

Aliás, uma dinâmica similar também ocorre com as mulheres: na maioria das democracias ocidentais, as mulheres tendem a ser mais religiosas e politicamente conservadoras do que os homens. Portanto, espaços provincianos em relação às visões religiosas e sociais conservadoras também tenderão a excluir muitas, muitas mulheres.

Contudo, não são apenas minorias religiosas ou socialmente conservadoras que acabam prejudicadas pelos vieses institucionais da academia contra a direita: Progressistas provenientes de grupos historicamente sub-representados ou marginalizados tendem a sofrer o principal efeito da reação dos eleitores republicanos contra as universidades “partidárias”.  De fato, pesquisas realizadas por estudiosos críticos da raça, feministas ou teóricos homossexuais  provavelmente são desvalorizadas e têm fundos cortados quando as universidades se encontram sob ataque de conservadores que sentem não ter lugar nas instituições de ensino superior.

Então precisamos de mais “terraplanistas” para “diversificar” campos como a geologia também?

Essa objeção se baseia numa péssima analogia: o que separa os terraplanistas e geólogos são conflitos empíricos que podem ser resolvidos empiricamente.

Contudo, o que separa conservadores e progressistas são, em grande parte, perguntas normativas: a desigualdade é necessariamente errada? Por que e sob quais circunstâncias? Como devem ser alocados os parcos recursos estatais? Com base em quê? Como os desvios devem ser definidos e respondidos? Os problemas sociais são melhor tratados por meio de uma administração de cima para baixo por especialistas e burocratas? Ou dando às comunidades e aos indivíduos os recursos, a liberdade e a responsabilidade para enfrentar seus próprios desafios (de baixo para cima)?

Não há uma resposta objetivamente correta para perguntas como essas. Até mesmo o processo de definir o que é considerado um problema social (em vez de apenas um fenômeno social) é um empreendimento com carga normativa.

Reconhecendo isso e, dadas as limitações e a falibilidade do nosso raciocínio moral, (que é o motivo de haver mudança normativa nos contextos sociocultural e temporal), então devemos ser muito mais humildes e ter as mentes mais abertas com relação às disputas normativas (tais como as disputas entre progressistas e conservadores) do que as disputas empíricas (tais como as disputas entre terraplanistas e geólogos).

E o que dizer da representação dos marxistas, teóricos homossexuais ou feministas radicais? Por que focar em conservadores?

Essa linha de críticas argumenta que, se a meta é a diversidade de pontos de vista dentro de um campo ou instituição, isso pode ser realizado sem incluir mais conservadores. Por exemplo, marxistas, feministas radicais ou teóricos homossexuais poderiam desafiar muitas perspectivas de progressistas e esquerdistas mais convencionais, certo?

Duas principais linhas de resposta:

Primeiramente, até mesmo marxistas, feministas radicais e teóricos homossexuais são alinhados, de forma geral, com a esquerda. Então, acrescentar feministas, teóricos homossexuais ou marxistas poderia aumentar a diversidade dentro da esquerda; isso não acrescentaria de fato qualquer perspectiva de fora daquele quadro compartilhado. Por exemplo, haveria pouca diferença entre eles em relação à situação normativa da desigualdade, ou em relação a um entendimento secular e materialista do mundo, etc. E não por essas posições serem incontestáveis (elas também poderiam ser “problematizadas”).

Como resultado, ainda seriamos de esquerda com um entendimento excessivamente estreito dos problemas sociais e das suas possíveis soluções. Resumindo: enquanto uma diversidade maior dentro da esquerda é algo bom e deve ser incentivado, aumentar a diversidade dentro da esquerda não elimina a necessidade de perspectivas não esquerdistas.

Em segundo lugar, embora esteja claro que conservadores são amplamente sub-representados nos campos de pesquisa social em relação à sua participação na população mais ampla — não está claro que o mesmo pode ser dito sobre marxistas, feministas ou teóricos homossexuais.

Até mesmo no grupo etário com a maioria de simpatizantes, os millenials, a imensa maioria rejeita o comunismo, e a maioria tem uma visão desfavorável de Marx.  Todavia, os marxistas superam os conservadores por 4:1 no meu campo, a sociologia.

De forma similar, apesar de ser crescente o número de americanos que se identifica como LGBTQ, especialmente entre os jovens — e, embora os americanos tendam a superestimar enormemente a quantidade nos EUA de pessoas que se identificam como LGBTQ —, apenas cerca de 4% se identificam como homossexuais ou transgênero. Os acadêmicos LGBTQ são de fato estatisticamente sobre-representados em instituições de ensino superior, especialmente nos campos de pesquisa social.

Somente cerca de 14% dos americanos se identificam como “fortemente feministas” (muito menos feministas radicais). Contudo, departamentos de estudos de gênero e mulheres estão proliferando e se expandido rapidamente país afora.

Resumindo, parece não haver um déficit de marxistas, acadêmicos homossexuais ou feministas dentro das universidades. É claro que isso não é um clamor por menos marxistas, feministas ou teóricos homossexuais. Aliás, esses acadêmicos fariam bem em infiltrar-se melhor em campos de pesquisa social, como economia ou ciências políticas, (em vez de se concentrarem tanto em estudos de gênero e mulheres, sociologia, antropologia e, em menor proporção, filosofia).

Contudo, perspectivas conservadoras são massivamente sub-representadas em virtualmente todos os campos de pesquisa social — inclusive economia, ciências políticas e história (que geralmente acolhem melhor perspectivas não progressistas). Daí a ênfase na escassez de conservadores.

Talvez o processo de estudar questões sociais torne as pessoas progressistas.

Nesse modelo, não é que os conservadores sejam necessariamente excluídos da pesquisa social – pode haver muitas pessoas que entram na universidade como conservadores. Contudo, muito acabam tornando-se esquerdistas conforme aprendem mais sobre as questões sociais. Portanto, a escassez de conservadores em pesquisas sociais é perfeitamente natural e não é um problema – é um sinal de crescimento, não de exclusão.

Deve-se notar que esse tipo de enquadramento também, de certa forma, pressupõe a verdade objetiva da ideologia progressiva – e defende que a posição conservadora é baseada, em grande parte, na ignorância, e que é “curada” por meio da educação. Posições como essas são perturbadoramente comuns entre os pesquisadores sociais. Aliás, algumas linhas de pesquisa chegam a definir essencialmente o conservadorismo como uma patologia.

Mas o que os dados revelam sobre a tese de “conversão”?

Curiosamente, evidência de uma ligeira mudança para a esquerda entre alunos no decorrer das suas carreiras acadêmicas. Contudo, realinhamentos totais parecem ser raros: jovens que entram na universidade como conservadores geralmente permanecem conservadores durante os estudos (e depois). Aliás, muito emergem como autênticos reacionários em virtude das suas experiências na faculdade com a esquerda radical.

Mais frequentemente, o que parece acontecer é que alunos conservadores acabam reconhecendo que sua perspectiva não é representada nem respeitada em muitos campos acadêmicos e decidem seguir outras linhas de estudo e outros caminhos de emprego.

O fator determinante não parece ser uma falta de interesse em pesquisa social entre conservadores, nem uma falta de habilidade: parece não haver diferença significativa nos resultados de provas, notas ou outras medições de aptidão ou qualificação entre alunos conservadores e liberais. Não é, por exemplo, que os conservadores sejam simplesmente ruins em pensamento crítico, ou algo parecido.

Talvez a ideologia conservadora seja apenas fundamentalmente incompatível com a pesquisa social?

Aqui a ideia seria que a pesquisa social é fundamentalmente sobre identificar e solucionar problemas. Na medida em que os conservadores estão interessados em preservar e legitimar a ordem vigente, seus compromissos parecem estar fundamentalmente em discordância com o projeto de pesquisa social.

Acho que essa objeção simplesmente interpreta mal o que é o conservadorismo: os conservadores não se opõem à mudança em si, mas têm uma função social similar à de “controle de qualidade”. Eles querem se certificar de que qualquer mudança dramática na ordem social seja demonstrada como crítica e provavelmente saudável e querem preservar, no processo da mudança, o que funcionou bem na ordem anterior.

Isso é realmente superimportante: Planejadores sociais bem intencionados frequentemente causam grandes danos – especialmente às populações mais vulneráveis da sociedade – quando essa fiscalização social é interrompida ou eliminada. James Scott fornece uma das explorações mais sistemáticas dessa história ignóbil – por um acadêmico de esquerda escrito para aqueles na esquerda.

Contudo, essa objeção também interpreta mal a natureza e a história da pesquisa social. Por exemplo, embora a sociologia americana tenha nascido basicamente como um agente de pesquisa do movimento de reforma social progressista, os fundadores europeus da disciplina tinham um projeto muito diferente. Eles estavam preocupados principalmente em definir e mitigar os males sociais oriundos da modernidade – o que, em sua grande maioria, viam em termos ambivalentes ou até negativos. Eles buscavam entender e corrigir a Europa “moderna” em grande parte olhando as sociedades pré-modernas e não Ocidentais.

Nesse sentido, a universidade moderna foi um projeto conservador em muitos aspectos: a meta era preservar e organizar os conhecimentos diante das rápidas mudanças sociais e tecnológicas e estabelecer uma cultura comum europeia ocidental baseada em valores que transcendiam a “modernidade”.

Em outras palavras, não há nada sobre a universidade em geral, ou pesquisa social em particular, que se oponha ao conservadorismo em qualquer sentido fundamental. Aliás, parecem ser altamente complementares.

Como uma observação, há alguma pesquisa que sugere que os fundamentalistas podem ser mais atraídos para os campos STEM – mas, é claro, os conservadores não são necessariamente fundamentalistas, e nem sempre os fundamentalistas são conservadores (ou religiosos).  E os conservadores também não são os únicos que tendem a ignorar a ciência que viola seus antecedentes.

Talvez os conservadores simplesmente não queiram ser pesquisadores sociais (ou acadêmicos, de forma mais ampla)?

Nesse contexto, não há tensão fundamental proposta entre o conservadorismo e a pesquisa social. Nem existem barreiras injustas que impeçam a participação dos conservadores. Em vez disso, acontece que, como resultado das diferenças nas preferências médias de carreiras e interesses da vida, como um grupo, os conservadores são simplesmente mais propensos a preferir outros campos e linhas de trabalho. E, é claro, se isso for verdadeiro, não haveria nada de errado com isso.

Contudo, um motivo para questionar o poder explicativo da história dos “efeitos de seleção” é que, historicamente falando, os conservadores representaram uma parte muito maior da academia do que representam atualmente. Aliás, até mesmo no início dos anos 2000, havia cerca de duas vezes mais docentes conservadores do que hoje. Então, não parece ser o caso de os conservadores serem, em geral, desinteressados pela academia ou pesquisa social.

Aliás, muitos conservadores continuam a dedicar suas carreiras à pesquisa social – embora, em grande parte, em think-tanks em vez de em universidades. O modelo de think-tanks decolou precisamente em virtude da percepção do domínio progressista sobre as instituições de ensino superior (e, cada vez mais, os financiamentos coletivos estão se tornando uma tendência para os intelectuais cujas ideias não são bem-vindas nas instituições de ensino superior).

Muitos conservadores já condenaram a academia como uma causa perdida. Isso tem suas consequências: as universidades perdem mentes brilhantes, e os dois modelos institucionais falham em colaborar com a pesquisa crítica (acadêmicos de think-tanks normalmente publicam em resumos de políticas e prensas comerciais em vez de revistas ou prensas acadêmicas. Na realidade, vivemos em dois mundos muito separados). Tanto os think-tanks como as universidades ficam cada vez mais politicamente e epistemologicamente polarizados como resultado. Isso faz com que, cada vez mais, os legisladores e as políticas conservadoras desvalorizem e retirem fundos da academia (as pessoas tendem a não ter lealdade às instituições que não as representam). É um ciclo vicioso. Todas as partes seriam mais bem servidas se esses pesquisadores pudessem ser integrados à academia.

Para que conste, aqueles (cada vez mais incomuns) conservadores que permanecem como professores geralmente acham que é uma linha de trabalho satisfatória e desfrutam relações cordiais com seus colegas e alunos. Contudo, isso acontece em parte porque tendem a ser muito mais moderados do que os professores de esquerda (uma parcela muito maior de professores esquerdistas vão para a extrema esquerda do que os acadêmicos conservadores vão para a extrema direita). Eles também tendem a evitar opinar em questões controversas urgentes nas suas pesquisas ou ensino, e geralmente mantêm suas visões políticas mais reservadas. Por meio desses atos de autorrepressão, muitos dos benefícios da diversidade ideológica são efetivamente negados. Seria muito melhor para todos se esses acadêmicos pudessem se envolver mais plenamente enquanto conservadores nas instituições de ensino superior.

Então é uma história de discriminação? Qual é a solução? Ação Afirmativa para conservadores? Espaços Seguros para conservadores?

Acho que, na verdade, é um história de interação: Novamente, existe evidência de uma leve mudança de valores para à esquerda ocasionada pela educação – apesar de não ser o caso de muitos conservadores irem para a esquerda. Provavelmente, também existem efeitos de seleção – embora uma coisa que pareça estar levando muitos conservadores a “escolher” outras carreiras seja a percepção de uma atmosfera hostil nas universidades por suas opiniões.

Contudo, também existe bastante evidência de que há discriminação: docentes discriminam conservadores nas admissões de graduados, nas decisões sobre contratação e promoção (até mesmo quando acadêmicos conservadores vêm de escolas melhores e possuem um currículo superior de publicações) e nas revisões pelos colegas para publicação. Os currículos disciplinares excluem ou depreciam constantemente pontos de vista conservadores e religiosos. Alunos desmerecem professores cuja ideologia política é diferente da deles durante as avaliações do curso. Palestrantes conservadores convidados  têm seus convites cancelados sob a pressão de grupos de alunos – ou se veem incapazes de falar em virtude dos protestos e transtornos. E assim por diante.

Essas tendências provincianas precisam ser discutidas. É errado, tanto moralmente quanto pragmaticamente, que tantos jovens e acadêmicos em início de carreira se sintam excluídos ou não acolhidos em universidades com base nas suas crenças políticas.

Mas é claro que essa objeção está associada à questão de como resolver este problema. Seu poder percebido reside no fato de que os conservadores tendem a se opor a ações afirmativas – e tendem a ser altamente céticos quanto a microagressões, espaços seguros, etc. Portanto, seria hipocrisia os conservadores reclamarem de microagressões, ou clamar por espaços seguros ou ação positiva quando isso atende aos seus próprios interesses percebidos. E também parece ser problemático para os não conservadores lutar por essas políticas em nome dos conservadores, pois a maioria dos conservadores provavelmente se oporia (ou deveria se opor) a essas medidas em virtude dos seus outros compromissos.

Os conservadores precisam de “espaços seguros” e proteção contra “microagressões”? Não acho que precisamos ficar “cheio de dedos” ao tratar a direita. Não tem problema ser cético ou até mesmo altamente crítico no que diz respeito aos conservadores. Contudo, devemos estar dispostos a voltar as nossas lentes críticas sobre as suposições das quais gostamos, bem como sobre o trabalho que estamos dispostos a apoiar. Precisamos estar alertas para a possibilidade de estarmos errados, profundamente errados –, de as nossas soluções preferidas não funcionarem em certos casos – e de os conservadores ou libertários terem algo a acrescentar para enriquecer o nosso entendimento dos problemas sociais e suas possíveis soluções. Precisamos nos envolver nos argumentos dos conservadores e liberais em vez de rejeitá-los – com uma mente aberta, caridade intelectual e boa fé.

E, é claro, como isso se relaciona a perguntas sobre contratação e promoção, o que deve importar mais é a qualidade da pesquisa. A academia não precisa atingir uma paridade de 100% com o público mais amplo em representação ideológica. Aliás, qualquer índice-alvo em particular seria arbitrário. Mas precisamos claramente de mais diversidade ideológica do que temos atualmente. E precisamos olhar com bom senso as barreiras institucionais e culturais que os conservadores enfrentam e perguntar se são de fato coerentes com os nossos valores – seja como acadêmicos ou como progressistas.

Existe uma certa ironia histórica aqui também: a esquerda conseguiu dominar os campi em grande parte devido às proteções bipartidárias que foram implementadas depois das inquisições de McCarthy e dos movimentos dos direitos civis – explicitamente para proteger esquerdistas e minorias contra a perseguição ou discriminação acadêmica e para assegurar que a nossa pesquisa foi respaldada institucionalmente.

Parece perverso e hipócrita para os progressistas mudar de atitude e perseguir ou excluir outros agora com base nas suas ideologias políticas. Também é contraproducente, prejudicando tanto a qualidade quanto o impacto do nosso trabalho.

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