Os EUA estão caminhando para uma segunda guerra civil. Como podemos evitá-la:

No início deste verão, enviei um e-mail a um vizinho meu, a quem chamaremos de David, e convidei-o para dar um passeio comigo no parque. Embora morássemos no mesmo prédio no Upper West Side de Manhattan por mais de uma década, até então só havíamos trocado gentilezas no elevador. Mas as opiniões políticas desse vizinho eram diametralmente opostas às minhas. Dado o caminho terrível, tóxico e descontrolado em direção à guerra civil em que nossa nação atualmente está, e como um mediador de conflitos, construtor de pontes bipartidárias e especialista em despolarização, senti que era meu dever estender a mão e tentar o meu melhor para praticar o que prego. Além disso, minha esposa me convenceu a fazer o esforço.

Achei que as décadas de treinamento como pesquisador na área de resolução de conflitos e mediador de difíceis disputas morais teriam me preparado para esses encontros. Mas passei a maior parte da hora antes do nosso encontro angustiando no banheiro.

Quando cumprimentei David na frente do nosso prédio, ele também parecia pouco à vontade. Mesmo assim, seguimos em direção ao parque para um breve passeio, com a ansiedade pairando.

No caminho, conversamos sobre nossas famílias e então expliquei a ele o motivo de entrar em contato. Eu disse que estava cada vez mais preocupado com as divisões políticas em nosso país e com as chances crescentes de violência política extremista. Eu estava fazendo o meu melhor para entender melhor as diferentes perspectivas sobre a situação. Ele respondeu: “Você está dizendo que não conhece nenhum republicano com quem possa conversar”. Quando hesitei, ele acrescentou: “Nenhum republicano que goste do Trump, quero dizer”.

“É por aí,” eu admiti.

Então ele me contou sobre sua formação. Ele explicou que é um judeu ortodoxo devoto, nascido no nordeste da França na nobreza talmúdica. Seu avô era um médico de aldeia e fundador de um templo na região da Alsácia. Ele foi criado no Reino Unido e mantém profundos valores conservadores que emanam de suas convicções religiosas e de seu sucesso nos negócios globais.

Eu, então, ofereci um pouco de minha própria formação – um católico, irlandês e franco-huguenote com raízes na classe trabalhadora e democrata de Chicago que, para seu espanto, casou-se com uma meia-judia. David perguntou se a mãe de minha esposa era judia e exclamou: “Então, seus filhos são judeus!”

“Eles são”, respondi. Ele pareceu registrar esse fato.

Logo em seguida, nos voltamos para a política. Perguntei se ele poderia me contar como passou a apoiar Trump. Com prazer, ele disse.

Meu vizinho então me contou sobre o que achava serem realizações pouco apreciadas de Donald Trump e sobre as provações e perseguições implacáveis que ele sofreu com a grande mídia e outros picaretas progressistas. Ele disse que tinha grande respeito pela perspicácia comercial e abordagem executiva de governo trumpista, e que as atitudes de Trump em questões culturais estavam muito alinhadas com o conservadorismo ortodoxo da sua vertente particular do judaísmo. Enquanto falava, David ficava cada vez mais animado e agitado, acelerando o ritmo de nossa caminhada. Ele disse acreditar que Obama deteriorou perigosamente a posição dos Estados Unidos no mundo, até que Trump virou o jogo. Ele achava que George Soros era individualmente responsável pelos níveis extremos de crimes violentos e discriminação contra minorias em nossa sociedade.

Eu havia tentado me preparar para nossa caminhada. Antecipando uma visita estranha e potencialmente volátil, fiz um exercício de reflexão sobre minhas intenções para nosso tempo juntos, priorizando os objetivos de “ouvir abertamente e aprender com ele” e “evitar ficar muito na defensiva e reativa”. Eu também havia revisado um gráfico sobre as diferenças cruciais entre um debate e um diálogo, sendo este último mais um processo de descoberta do que um jogo de ganhar-ou-perder – um ingrediente vital para iniciar conversas políticas construtivas hoje em dia.

Eu escutei durante a fala de David. Ocasionalmente, eu fazia perguntas para esclarecer os pontos que ele apresentava, ou então apontava quando na verdade compartilhávamos preocupações comuns sobre questões como porte de armas. Mas também tive que me conter ativa e repetidamente para não interromper e rebater o que eu considerava desinformação ou hipérbole. Em vez disso, me peguei dizendo: “Entendi…” bastante.

Então, no final de nossa caminhada, algo notável aconteceu. O discurso de David, que começou com uma celebração e defesa não adulterada de tudo sobre Donald Trump, de alguma forma perdeu força. Ele parecia ter surfado na onda de seu entusiasmo para um lugar onde o roteiro se encerrou.

Depois de um tempo, ele concluiu: “Trump deveria concorrer à presidência novamente em 2024? Provavelmente não. Com os movimentos estúpidos que ele fez, como ir atrás de um senador herói de guerra falecido [John McCain] no Arizona e dizer aquelas coisas ridículas para mulheres suburbanas sobre COVID, ele provavelmente deveria apenas dar um passo atrás e abrir espaço para candidatos melhores do Partido Republicano. Ele vai fazer isso? Eu duvido. Mas talvez devesse.” Por volta desse momento, lembrei a David que talvez ele queira voltar e dar um alô para sua esposa, ao que ele respondei: “Bem, podemos ir por mais alguns quarteirões”.

Quando voltamos ao nosso prédio, minha ansiedade parecia ter se dissipado. Agradeci a David por seu tempo e disposição para falar e disse-lhe que tinha um presente de despedida para ele. Deixei uma cópia de um livro que publiquei recentemente sobre como superar a polarização tóxica em nosso saguão e entreguei a ele, dizendo: “Você definitivamente não precisa ler este livro. Mas ele explica por que eu procurei você, e estou feliz por ter feito isso.”

Quando entramos juntos no elevador, ele olhou para a contracapa do livro e disse: “Sim, não sei o que vamos fazer com toda essa polarização. Parece que está cada vez pior. Mas quando você sente tanta convicção em torno do que está acontecendo, é difícil parar ou saber o que fazer.”

Eu disse: “Acho que o que precisamos tentar fazer é o que você e eu acabamos de fazer. Se encontrar, sempre que possível, com pessoas que veem o mundo de maneira diferente de nós e apenas tentar manter a conversa fluindo.” Ele sorriu e acenou com a cabeça quando a porta se abriu para o seu andar. Agradeci novamente e foi isso. Por enquanto.

OK, e daí, certo? Grande coisa. E daí que eu dei um passeio em um parque e conversei sobre política com um vizinho por uma hora? Isso bastará para ajudar nossa nação a evitar outra guerra civil? Para curar nossa sociedade furiosa e fortemente armada?

Não. Sem chance.

Minha caminhada no parque com David foi um exercício de aquecimento, um pequeno ajuste – para nós dois, espero. Foi apenas um aspecto de um exercício de um mês que um pequeno grupo de americanos preocupados e bem-intencionados experimentou no verão passado. Sou um pesquisador que estuda o que é preciso para que sociedades profundamente divididas como a nossa mudem de rumo para melhor. Um grupo de meus ex-alunos e colegas se reuniu virtualmente durante quatro semanas em julho para experimentar uma série de exercícios e atividades resultantes dessa pesquisa, com o objetivo de romper com nossos padrões tóxicos. Esse “Desafio”, como o chamamos, foi nossa tentativa de responder ao dilema de David sobre o que fazer para escapar da atração exercida pelo vórtice de nossas paixões e animosidades políticas. Procuramos elaborar uma série de etapas práticas que americanos preocupados com esse problema podem adotar em suas casas, locais de trabalho e comunidades para encontrar uma maneira de afrouxar o controle que nosso atual clima de desprezo tem sobre nós.

 

Nosso problema nebuloso e altamente atraente 

A conversa sobre porque, como e o quanto estamos polarizados na América hoje é complicada e, claro, altamente controversa. No entanto, estatísticas recentes sobre o atual estado de polarização podem trazer nossos pés ao chão. Uma pesquisa nacional publicada em julho de 2022 descobriu que um em cada cinco americanos acreditava que “em geral”, a violência política era pelo menos às vezes justificada. Também descobriu que 42,4% concordaram com a afirmação de que “ter um líder forte para a América é mais importante do que ter uma democracia” e que “na América, os brancos nativos estão sendo substituídos por imigrantes”.

Talvez mais preocupante, uma pesquisa publicada no outono passado descobriu que 80% dos eleitores de Biden e 84% dos eleitores de Trump veem os representantes eleitos do outro partido como “representando um perigo claro e presente para a democracia americana”. Também informou que 41% dos eleitores de Biden e 52% dos eleitores de Trump são a favor de estados republicanos ou democratas se separarem da União para formar seu próprio país, com 30% de republicanos e 11% de democratas prontos para recorrer à violência para salvar o país. São aproximadamente 20 milhões de americanos prontos para lutar em um país com mais de 400 milhões de armas. E esses dados foram coletados antes da derrubada de Roe v. Wade e do recente ataque do FBI em Mar-a-Lago, ambos atualmente sendo politicamente instrumentalizados por influenciadores políticos.

Na verdade, esta “temporada” persiste por mais de meio século, com picos nas tendências de vários aspectos da polarização política aumentando por décadas. A lista inclui aumentos na polarização afetiva de nossos cidadãos (odiando o ‘outro’ e amando a ‘nós’), polarização de crenças (discordâncias sobre percepções de verdade e fato), consistência ideológica (colapso de atitudes sobre questões políticas distintas ao longo de uma única dimensão tribal), segregação geográfica e de vizinhança (agrupamento físico de eleitores republicanos e democratas em comunidades mais homogêneas), obstrucionismo legislativo do Congresso (o fim do bipartidarismo e da resolução funcional de problemas em Washington D.C.), discurso de ódio político, inclusive nas mídias sociais, distorção perceptiva (vendo os outros como mais extremistas do que são objetivamente), combinada com a diminuição da presença de estruturas transversais em comunidades (eficazes em mitigar guerras civis) tais como famílias e escolas ideologicamente mistas. Essas tendências estão culminando em um forte aumento da violência política.

Como chegamos aqui? Uma série de estudiosos e especialistas opinaram. A maioria se concentra em causas específicas, tentando identificar os principais impulsionadores da divisão dentro de nossas estruturas sociais, dentro de nossos grupos ou dentro de nós mesmos – que listo na tabela abaixo.

 

Claro, eles estão bem até certo ponto. Estudos têm mostrado que todos esses fatores explicam uma parte pequena, mas não insignificante, da variação que contribui para a profundidade e persistência de nossas divisões. Mas nenhum deles sozinho pode explicar o extraordinário padrão de mais de 50 anos de escalada da intolerância política que estamos vivenciando.

O que explica essa calamidade descontrolada provavelmente se encontra no espaço entre esses e outros fatores. Ou seja, como eles se combinaram e se alimentaram de maneiras complexas para criar dinâmicas – ciclos viciosos – que são difíceis de entender e mais difíceis de mudar. Isso é semelhante a como os diferentes elementos de um furacão – baixa pressão do ar, temperaturas quentes, ar úmido do oceano e ventos tropicais – podem se unir para formar uma poderosa dinâmica destrutiva. É claro que alguns dos fatores por trás das nossas divisões são mais influentes do que outros, e também há uma variedade de agentes de má fé puxando intencionalmente algumas dessas alavancas para tornar as coisas piores para nós (e melhores para eles). Mas, novamente, eles são apenas parte do problema em uma dinâmica como essa.

O que piora tudo é que, além de certo limiar, essa constelação de forças pode ganhar vida própria. Isso acontece por meio de um processo chamado auto-organização, quando alguma forma de ordem geral surge a partir de interações locais de partes do sistema, o que pode resultar no que é conhecido como dinâmica de atrator. Esses são padrões essencialmente fortes e coerentes – de pensar, sentir, agir e organizar nossas vidas – que nos atraem repetidamente e resistem à mudança. Os padrões de atração são cada vez mais evidentes hoje no agrupamento de atitudes dos americanos em termos partidários em um conjunto díspar de 10 questões políticas distintas. Estamos nos mudando fisicamente e formando agrupamentos partidários, e falamos (ou não) uns com os outros sobre questões morais em nossas redes sociais, principalmente dentro de grupos partidários.

Na América de hoje, nossa percepção dos complexos fatores bio-psico-socio-estruturais que estão colocando metade do país contra a outra metade é realmente muito simples: somos nós contra eles.

Encontrando uma saída

A má notícia é que não há soluções rápidas ou bala-de-prata para resolver essas questões. Alterar seu curso geralmente requer uma teoria de mudança qualitativamente diferente e um conjunto distinto de habilidades, incluindo a capacidade de adotar uma abordagem de longo prazo, implementar várias iniciativas de mudança simultaneamente, rastrear e ler o feedback e, em última análise, sentir-se confortável com o fracasso, com o aprendizado e a adaptação. E um pouco de sorte. Foi basicamente assim que o governo de Franklin D. Roosevelt tentou mudar a trajetória da Grande Depressão em 1933 – conduzindo a aprovação das leis de reforma bancária do New Deal, programas de emergência, programas de alívio ao trabalhor e programas agrícolas, antes de prosseguir para iniciar posteriormente os múltiplos programas do Segundo New Deal.

No entanto, outra má notícia é que nosso governo e nossos políticos estão no epicentro dos problemas de inimizade política e desconfiança institucional e eleitoral – e, de fato, são frequentemente incentivados a agir de maneira a exacerbar nossas divisões -, de modo que são limitados em sua capacidade de abordar os problemas diretamente.

A boa notícia é que nós podemos. Como vemos recentemente com os movimentos sociais #BlackLivesMatter e #MeToo, e os movimentos dos Direitos Civis, Direitos Iguais, Direitos Gay e Movimentos Anti-Guerra antes deles, cidadãos americanos se reúnem e se mobilizam por causas que nos preocupam profundamente. Quando o fazemos, legisladores e interesses comerciais geralmente vão atrás de nós. Será que conter o fluxo de violência política e autoritarismo em nossa nação e impedir o colapso de nossa democracia por causa de uma outra Guerra Civil sangrenta pode ser apenas uma dessas causas?

Se assim for, há mais boas notícias. Três condições aumentam significativamente as chances de sociedades como a nossa girarem em uma direção mais saudável: primeiro, quando grandes choques sociais – como o COVID-19 – nos desestabilizam a ponto de começarmos a reconsiderar algumas de nossas suposições mais básicas sobre como tomamos decisões coletivas. Em segundo lugar, quando um número suficiente de nós estiver suficientemente infeliz e farto do status quo, um estado de coisas claramente evidente em pesquisas recentes. E, terceiro, um senso claro de que existe uma saída – um caminho alternativo que não seja muito caro e que seja atraente o suficiente para a maioria de nós. É aí, estamos descobrindo, que mora o problema.

Felizmente, hoje existem milhares de grupos e organizações nos Estados Unidos que estão trabalhando incansavelmente para fornecer uma saída. A maioria deles são grupos locais de conciliação baseados em comunidades que buscam reunir americanos republicanos e democratas para conversar respeitosamente.

Infelizmente, muitas vezes faltam várias condições-chave na concepção da maioria dos encontros políticos de conciliação hoje, incluindo a necessidade de “contato de status igual” entre os participantes – algo extremamente difícil de fazer em uma nação com desigualdades de riqueza, renda e educação tão profundas. É uma condição ainda mais difícil de fornecer em uma nação onde tantos de nossos líderes, amigos e membros da comunidade menosprezam o contato com ‘eles’, então os participantes muitas vezes correm o risco de serem condenados ao ostracismo pelo seu próprio grupo.

Outro desafio significativo para a construção de pontes políticas hoje é o tipo de participação desigual (à esquerda) que eles atraem. Como April Lawson, ela própria uma conciliadora política, aponta em um ensaio na revista Comment em janeiro passado, “Os democratas assumem que se os republicanos pudessem aprender o que é verdadeiro, eles seriam iluminados e mudariam de lado… os republicanos… sentem o cheiro dessa intenção e rejeitam a proposta”. Como me sugeriu David Blankenhorn, um dos fundadores do grupo Braver Angels, até mesmo a terminologia básica usada por esses grupos, como “diálogo”, “empatia” e até mesmo “construção de pontes” são sinais de alerta para muitos na direita. Como resultado, muitos desses programas enfrentam um grande desafio em recrutar essa metade dos nossos cidadãos.

Mas, talvez a deficiência mais significativa de muitas dessas iniciativas de despolarização seja que muitas vezes são encontros únicos ou de curto prazo. É aqui que entra o efeito de exposição — quanto mais, melhor. Veja minha caminhada, por exemplo. É um absurdo pensar que meu passeio no parque com David, por si só, vá mudar significativamente alguma coisa. Tempo e repetição com essas experiências são fundamentais. De fato, pesquisas relacionadas aos efeitos de estruturas transversais – lugares locais como playgrounds, escolas, campos esportivos, locais de trabalho e locais de culto que colocam pessoas em contato por entre diferenças grupais de maneira contínua – mostram efeitos mais robustos na redução da intolerância e da violência entre grupos. Da mesma forma, descobriu-se que ter boas amizades entre as diferenças grupais também tem efeitos positivos nas atitudes intergrupais. Infelizmente, os espaços que oferecem oportunidades para contatos interpartidários e construção de relacionamentos de forma contínua parecem estar em declínio nas comunidades americanas, tanto uma causa quanto uma consequência de nossas divisões.

O desafio

Em resposta às limitações de muitas abordagens atuais para despolarização, começamos a projetar e testar uma abordagem alternativa, que reconhece a importância do tempo e da diversidade de intervenções para mudança comportamental e cultural sustentável. É fundamentado em uma base de evidências que nos oferece cinco alavancas distintas para promover mudanças em problemas complexos:

Pare para Reiniciar: tempos desestabilizadores como o nosso podem ser um terreno fértil para mudar nossos padrões mais arraigados – mas apenas se tirarmos vantagem deles nos comprometendo com um recomeço significativo. Ou seja, pausando suficientemente para sermos reflexivos e intencionais a respeito do próximo caminho que vamos escolhemos.

Encontrar Desvio Positivo: Quando estamos presos na dinâmica turbulenta de uma comunidade profundamente polarizada, é melhor descobrir como trabalhar com o que já está funcionando nessa situação para encontrar uma saída. Em vez de tentar consertar o problema com alguma nova ideia ou programa, primeiro encontre os pontos positivos – as pessoas ou programas que já estão trabalhando efetivamente contra a divisão.

Complicar para Simplificar: quando seres humanos enfrentam conflitos desafiadores, muitas vezes tendemos a simplificá-los prematuramente e cerrar fileiras entre nós e eles. No entanto, há muito que podemos fazer para nos tornarmos menos suscetíveis à sedução da certeza, simplificação e difamação daqueles que estão do outro lado. Isso envolve complicar intencionalmente a vida desenvolvendo novos hábitos de pensar, sentir, agir e viver que nos permitem tolerar e aprender com as contradições, nuances e oposições.

Mova-se para Sincronizar: quando conflitos agonizantes nos deixam presos e confinados em um mundo de nós-contra-eles, considere o movimento como um alívio. Pesquisas em neurociência descobriram que o movimento físico pode nos ajudar a nos libertar de padrões arraigados de pensamento, sentimento e reação. E mover-nos juntos — lado a lado e idealmente do lado de fora — tem se mostrado uma grande promessa para conectar oponentes e ajudar a sincronizá-los de forma a promover empatia, harmonia e flexibilidade.

Adapte-se aos contratempos: A saída de nosso atoleiro político inevitavelmente incluirá obstáculos e fracassos. A chave aqui é esperar e aprender com os contratempos, tendo uma visão de longo prazo em direção a uma estrela-norte e procedendo de maneira informada por pesquisas sólidas sobre a tomada de decisões eficaz em ambientes complexos.

A primeira versão do Desafio foi projetada em torno de uma sequência de atividades com base nos princípios acima. O foco a cada semana, começando pelo seu papel nas divisões, indo para seus relacionamentos politicamente carregados, para sua ‘tribo’ política, para questões políticas em nível comunitário ou nacional. Ele pedia aos participantes que se comprometessem a gastar pelo menos 15 minutos por dia – as opções variavam de esforço baixo a moderado a alto – cinco dias por semana durante um mês para fazer esse trabalho, a fim de iniciar a jornada muito mais longa em direção a uma nova formação de hábitos e normas e mobilização de grupo. Pense no Desafio como um treinamento inicial para a participação em nossa democracia sitiada. Incluía um “Painel Comunitário”, que permitia aos participantes compartilhar suas experiências das atividades com outras pessoas no projeto-piloto, bem como sessões semanais de zoom para relatar seu envolvimento.


Resultado: funcionou?

Aprendi muito com esta experiência. Aprendi que, apesar de meu treinamento e experiência consideráveis como profissional de resolução de conflitos e meu desejo genuíno de diminuir as chances de violência política, sou uma parte muito maior do problema do que imaginava. Descobri que tenho visões progressistas mais extremas sobre a maioria das questões políticas do que pensava, sinto-me muito mais negativo em relação aos republicanos e alienado dos democratas do que gostaria, tenho percepções significativamente errôneas sobre como republicanos realmente se posicionam em questões políticas (entre 15-30% lacuna dependendo da questão) e, por sua vez, tenho muito pouco (ou nenhum) relacionamento real com republicanos. Ah, e sou muito menos corajoso em confrontar membros de minha própria tribo quando eles erram ou quebram as regras. Essa foi a história revelada pelo meu processo de avaliação – e isso porque eu já sabia o que a avaliação estava mensurando quando a concluí! Eita.

Acontece também que a maior parte dos participantes teve auto-revelações igualmente surpreendentes. Um membro compartilhou como a tentativa de ouvir as opiniões radicais de sua enteada resultou nela gritando para si mesma em sua própria cabeça e, o que descarrilou completamente sua capacidade de ouvir.

Outro disse: “Meu pensamento inicial era que eu ficaria irritado, pois é uma pessoa que normalmente me irrita. Em vez disso, descobri que temos muito em comum. Muitos dos mesmos medos. Infelizmente, muitas das mesmas feridas e cicatrizes. Algumas das mesmas esperanças e sonhos.”

Apesar – ou talvez por causa – desses momentos desconfortáveis de autodescoberta, a experiência geral foi promissora. Em nossa chamada de zoom final, um participante concluiu: “Só queria dizer que todo o arco dessa experiência de ter que priorizar pensar talvez um pouco mais alto, pensar em como se conectar melhor com as pessoas e, definitivamente, o maior aprendizado disso para mim foi aprender sobre mim mesmo.”

Também aprendi sobre os tipos de apoio que nós, americanos, precisaremos para escapar de nosso vício em massa pela indignação. O aspecto comunitário do experimento-piloto mudou o jogo. As atividades das quais o grupo participou juntos – as confissões do Painel Comunitário, os diálogos semanais via zoom, a criação conjunta de uma playlist do Spotify com músicas que caracterizavam o Desafio e assim por diante pareciam impactantes e reparadoras.

O formato flexível e “responsabilidade-light” do Desafio funcionou bem. Eu encorajei o grupo desde o início a compartilhar suas dificuldades, erros e desastres conosco, estabelecendo uma orientação de aprendizado dentro do grupo – uma orientação que se inclina para o fracasso e se beneficia dele. Isso nos manteve abertos. Também descobri que algumas das atividades mais populares foram inventadas pelos próprios participantes que “se rebelaram” contra a programação e criaram sua própria. A fundamentação dos princípios científicos parecia fornecer uma base na qual eles poderiam inovar e prosperar – uma mina de ouro.

Vi como pode ser penoso para os americanos hoje encontrar tempo para concluir até mesmo atividades breves diariamente, o que destacou a necessidade de algum tipo de “subtração” para o Desafio, uma noção clara do que poderíamos parar de fazer a cada dia para criar tempo para as atividades. Felizmente, uma das atividades, “Pare o mundo e desembarque! Desconecte-se de seus dispositivos por um dia”, ofereceu uma solução possível. Uma participante refletiu que fazer isso não apenas lhe dava tempo para os exercícios, mas também permitia que ela estivesse totalmente presente naquele dia.

Também descobri que a polarização, embora cada vez mais preocupante, é semelhante a problemas como a mudança climática – pesadelos mais distantes que, por falta de imediatismo, podem ser facilmente eliminados de nossas mentes. Uma implicação para a versão 2.0 do Desafio seria encorajar os participantes a começar com um inventário de como a polarização política está prejudicando suas vidas e relacionamentos, seu papel nela e talvez os parceiros com os quais eles desejariam se conectar.

Fiquei um tanto surpreso ao descobrir que, para muitos, a experiência foi emocionalmente desgastante. Um disse: “Não ajuda em nada assumir o ponto de vista de outra pessoa quando por dentro estou gritando comigo mesmo [por fazer isso]”. Outro comentou: “Quase tive uma crise existencial. Percebi que sou quase afável e despolarizado demais.” Isso destacou a importância vital do apoio comunal necessário para que esse trabalho prospere. Convidar as pessoas para esta experiência vem com uma responsabilidade que deve ser validada.

Falar é fácil

O verão de 2022 começou com o vazamento do memorando da Suprema Corte americana sobre o caso do direito ao aborto em maio, a decisão formal de derrubar Roe v. Wade em junho, a continuação das audiências do Congresso sobre a insurgência do Capitólio de 6 de janeiro em julho, a busca e apreensão na residência de Donald Trump em Mar-a-Lago em agosto e as sagas aparentemente intermináveis em torno de novas variantes e mortes de COVID, eventos climáticos extremos e a guerra da Rússia na Ucrânia. Esses e inúmeros outros eventos forneceram amplo combustível para a instrumentalização política pela grande mídia, fanáticos das redes-sociais e trolls estrangeiros, enquanto votávamos em nossas eleições primárias altamente contestadas e consumíamos a mais recente propaganda eleitoral antes das eleições intermediárias. Isso tem sido bastante cansativo.

Ao mesmo tempo, nosso pequeno grupo começou a trabalhar para preparar o terreno para criar mais espaços para ter essas conversas difíceis. Durante quatro semanas, examinamos profundamente a nós mesmos, estendemos nossas mãos para outros inquietos, encontramos coragem para desafiar nossos próprios grupos a serem melhores e nos juntamos a representantes locais e nacionais de organizações que trabalham para manter nossa democracia unida. Lutamos, reclamamos, rimos, caminhamos, dançamos, fizemos descobertas, nos emocionamos e começamos a sentir um renovado senso de promessa. Também descobrimos que nosso tempo juntos era apenas um pequeno passo em uma longa estrada. Não haverá soluções rápidas para as tempestades sombrias que nos cercam. Mas hoje há mais esperança e clareza sobre como começar.

Cerca de uma semana depois de minha caminhada com meu vizinho, meu filho de 25 anos, Adlai, encontrou com ele no elevador de nosso prédio. Meu filho afirma que David nunca havia falado com ele ou o reconhecido em todos os anos que moramos juntos no prédio. Mas nesse dia, David acolheu a Adlai e se dirigiu a ele. Ele disse: “Por favor, diga a seu pai que estou lendo o livro dele. Já li vários capítulos. Diga a ele que estou muito bem impressionado.” Meu filho ficou estupefato.

David e eu já fizemos planos para outra caminhada no início deste outono.

Sobre a Biblioteca Prisma

Nossa coleção de artigos tem o intuito de informar e instigar discussões sobre como a polarização política se manifesta em ambientes diversos e os caminhos possíveis para evitar seus efeitos mais tóxicos. Buscamos trazer textos de autores brasileiros e internacionais que atuam nessa área de forma a disponibilizar seus insights para um público maior.

Imparcialidade não é uma exigência aos autores que contribuem para essa biblioteca. Textos podem trazer consigo lentes e predisposições político-ideológicas que não necessariamente refletem o posicionamento do Projeto Prisma sobre qualquer assunto em particular. Perspectivas diversas são bem-vindas contanto que busquem se harmonizar com os princípios do nosso projeto.

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