A subrepresentação ideológica na universidade é real

Por: Pedro Franco

Desde que resolvi entrar na carreira acadêmica, sempre tive a impressão de que a escassez de perspectivas à direita no campus é um fato incômodo e que mencioná-lo muitas vezes criava um clima desconfortável. Era um tema discutido às escondidas, aos sussurros e nas sombras, quase nunca alcançando um debate aberto e honesto entre a comunidade acadêmica. Mais de uma vez, já vi professores universitários gabaritados e prestigiados se recusarem a discutir o assunto em público por receio do dano que isso traria a suas reputações.

Em privado, no entanto, já consegui levantar o assunto algumas vezes, notando algumas reações diferentes. Para evitar acusações de que o meio acadêmico não recompensa mérito intelectual, já vi acadêmicos justificarem a ausência de perspectivas conservadoras/liberais por conta da inferioridade intelectual e moral dessas perspectivas. Para evitar acusações de que o meio acadêmico promove perseguição e intolerância a perspectivas que não sejam de esquerda, já vi acadêmicos negarem absolutamente o problema e dizerem que na verdade há, sim, espaço para todas as perspectivas no campus – ou seja, que na verdade não existe sub-representação de perspectivas à direita coisa nenhuma.

Durante meu tempo investigando esse problema, vim a perceber que os motivos para a sub-representação da direita no campus são extremamente complexos e dão margem para uma longa e interessantíssima discussão sobre fatores causais e quais as abordagens práticas mais adequadas para promover maior diversidade de perspectivas no meio acadêmico. Em se tratando de um problema social complexo, isso era de se esperar. O que eu não esperava, no entanto, era ter que passar tanto tempo tentando convencer membros da comunidade acadêmica de que pessoas e perspectivas de direita são, de fato, sub-representadas na universidade.

A negação daquilo que eu considerava auto-evidente muitas vezes viria sob o pretexto de críticas metodológicas: “Que dados você coletou e que métodos você empregou para chegar a essa conclusão?” Embora essas perguntas muitas vezes fossem motivadas por impulsos defensivos, isso não quer dizer que eu poderia ignorá-las. Uma característica interessante do meio acadêmico é que, idealmente, você é obrigado a ter respostas satisfatórias para as perguntas que as pessoas fazem – mesmo quando essas perguntas parecem insensatas, movidas por negacionismo ou por preciosismo metodológico excessivo. Além do mais, quando você está tratando de um tema polêmico onde há diversos incentivos para o negacionismos e polarizações, não é recomendável tomar nada como auto-evidente.

Uma dificuldade enfrentada por qualquer pessoa discutindo a sub-representação da direita na universidade brasileira, no entanto, é o fato de que aqui, por enquanto, ainda não se realizou nenhuma pesquisa acadêmica formal sobre o assunto. Fornecer ‘provas’ do tipo que normalmente convence as pessoas na forma de números, gráficos e tabelas, portanto, é difícil. A situação é bastante diferente nos EUA, onde o perfil político do meio acadêmico é objeto de investigação científica há décadas. Lá, portanto, já existe certo consenso científico sobre o assunto: sim, a direita é sub-representada no meio acadêmico. Faço um apanhado mais detalhado dos métodos utilizados nessas pesquisas aqui, mas algumas das questões mais comuns valem ser abordadas.

Primeiro, uma das respostas mais frequentes quando se afirma que a direita é subrepresentada no meio acadêmico: “mas o que você quer dizer com ‘direita’?” A questão de como definir esquerda e direita é uma das mais pantanosas do meio acadêmico e vejo colegas atolados nela o tempo todo. No que diz respeito às pesquisas que estou me referindo aqui, a resposta é, na maior parte das vezes, bem simples: autodeclaração. Em outras palavras, é considerado de direita o sujeito que se declara de direita. Não é uma resposta muito elaborada, não nos diz muito sobre o que essas pessoas pensam e no que acreditam, mas é o suficiente para dar uma noção inicial da distribuição de perfis políticos entre uma população.

Em se tratando de autodeclaração, portanto, cerca de 9% se dos professores universitários americanos se declaram de direita. Quando falamos especificamente das áreas das ciências sociais e humanas, essa porcentagem cai para 5%. Diversos surveys foram realizados e resultados ligeiramente diferentes foram obtidos, mas no geral o consenso gira em torno desse número.

Quando falamos de representatividade, normalmente queremos dizer a comparação desses números com os que encontramos entre a população em geral. Se a proporção de um grupo entre o meio acadêmico = a, e a proporção desse mesmo grupo entre a população em geral = b, podemos calcular o coeficiente de representação (C) desse grupo através da fórmula C = a / b.

O sociólogo Musa Al-Gharbi fornece uma comparação desse coeficiente entre diversos grupos, que reproduzo aqui:

O gráfico abaixo dá uma ideia melhor de como a representatividade de pessoas de direita se compara à representatividade de outros grupos entre o corpo docente das ciências sociais e humanas na universidade americana:

Outro gráfico ilustrativo vem da pesquisa realizada por Mitchell Langbert da Brooklyn College. Langbert compara o número de democratas registrados para cada republicano registrado nas 50 universidades mais bem avaliadas dos EUA. Esse foi o resultado obtido, por disciplina:

É claro que esses dados, por si só, não nos dão o quadro completo da situação. Pesquisas qualitativas como as realizadas por Jon Shields e Joshua Dunn ou por Amy Binder e Kate Wood, por exemplo, trazem um olhar mais etnográfico para o problema e dão mais detalhes de como identidades políticas são formadas e negociadas dentro da universidade americana. Outras pesquisas buscam determinar especificamente quais as ideias que recebem mais ou menos espaço devida a sub-representação da direita em áreas como a sociologia, filosofia, direito e psicologia social. Olhadas em conjuntos, creio que essas pesquisas são de imenso valor e apontam caminhos promissores para melhorar a qualidade do ensino e pesquisa da educação superior, assim como para tornar a universidade um ambiente mais tolerante para perspectivas e visões de mundo diversas.

Sejam quais forem os motivos para a sub-representação da direita no meio acadêmico, resta pouca dúvida então de que tal sub-representação existe. Seria bom que no Brasil tivéssemos as montanhas de dados que os nossos colegas americanos têm para analisar a questão, mas há indícios o suficiente de que a situação é no mínimo parecida. Se não temos gráficos e tabelas, temos relatos abundantes de pessoas dentro e fora da universidade que sustentam o senso comum amplamente difundido de que a universidade brasileira pende dramaticamente para a esquerda, principalmente nos departamentos de ciências sociais e humanas. Se considerarmos o plural de ‘relato’ como um sinônimo para ‘dados’, arrisco dizer que, mesmo na ausência de estudos formais, esse senso comum está correto.

Mesmo que não faltem faltem relatos para corroborar essa conclusão, espelhar as pesquisas realizadas nos EUA certamente traria benefícios. Para começar, ajudaria a combater o negacionismo nessa área ao fornecer dados mais quantitativos e objetivos sobre o assunto. Ajudaria também a informar iniciativas dedicadas à promoção da diversidade ideológica na universidade brasileira, muitas das quais estão hoje atirando no escuro. Mais importante do que isso, tais pesquisas forneceriam dados para traçar um perfil mais detalhado dos nossos profissionais de educação superior, algo que qualquer um que se importa em aprimorá-la deveria se interessar.

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