Por: Ilana Redstone
Texto original: “The Fallacy of Equal Knowledge“
Se todos nós tivéssemos o mesmo conhecimento, então todos nós concordaríamos – não?
“Talvez eles sejam apenas ignorantes?” Perdi a conta de quantas vezes ouvi essa sugestão esperançosa de alunos e colegas tentando navegar por entre divisões ideológicas. É uma fala oferecida normalmente como uma forma caridosa de tentar entender por que alguém não concorda com um determinado ponto de vista sobre uma questão controversa, muitas vezes relacionada à identidade ou igualdade. Isso implica que a pessoa concordaria com o falante se apenas conhecessem mais sobre o assunto. Em alguns casos, isso pode de fato ser o caso. Mas o uso desse raciocínio como uma racionalização padrão se tornou algo que chamo de falácia do conhecimento igual. Ela se baseia na suposição implícita de que, se todos tivéssemos as mesmas informações, todos concordaríamos.
A dificuldade em se comunicar por entre divisões políticas deve muito a essa suposição. Eu vi um exemplo claro disso no outono de 2020, enquanto ministrava um curso sobre problemas sociais. Foi no semestre seguinte a um verão de protestos em todo o país sobre a questão racial e policial. Por semanas, meus alunos e eu discutimos os males sociais de várias perspectivas, gradualmente construindo confiança. Em certo ponto, nos vimos conversando sobre policiamento.
Dado o calendário do curso e os acontecimentos dos últimos meses, a morte de George Floyd estava na mente de muitas pessoas. Ao longo de nossa discussão, perguntei à turma se eles achavam que uma pessoa razoável poderia ver a morte de Floyd apenas como uma questão de mau policiamento, não uma questão racial. A enquete que realizei sugeriu que cerca de 60 por cento da turma acreditava que isso era possível.
Fiquei surpreso com a receptividade deles a essa ideia. Mas, à medida que a discussão se desenrolou, ficou claro que várias pessoas naquele grupo de 60% tinham outra coisa em mente. Muitos presumiram que uma pessoa razoável só poderia ter essa visão se ainda não entendesse que a realidade do racismo tornava importante – até mesmo necessário – ver a morte de Floyd através de lentes raciais. Esse ponto é controverso, mesmo dentro da comunidade negra, mas os alunos presumiram que, uma vez informada, tal pessoa mudaria de ideia.
Fiz a enquete novamente. Desta vez, perguntei: uma pessoa razoável, com as mesmas informações que você tem, poderia perceber o assassinato de George Floyd apenas como uma questão de mau policiamento e não ter certeza se também deveria ser visto como uma questão racial? Desta vez, a proporção de alunos que responderam ‘sim’ caiu para 30%.
Supor que alguém discorda de uma determinada posição ou afirmação política porque é ignorante é um desafio que encontro com frequência. A título de contexto, muito do meu trabalho envolve facilitar conversas sobre tópicos que deixam as pessoas desconfortáveis. A falácia do conhecimento igual tende a surgir entre pessoas acostumadas a pensar de uma maneira específica sobre tópicos políticos polêmicos. Quando eles consideram posições como a oposição à ação afirmativa, a ideia de que crianças com disforia de gênero podem ser influenciadas por colegas ou então como a oposição aos mandatos relacionados ao Covid, eles sugerem que a ignorância pode explicar esse pensamento.
No entanto, quando tratada como uma suposição padrão, essa perspectiva pode atrapalhar o engajamento construtivo. Baseia-se na suposição muitas vezes falsa de que o que divide as pessoas em questões sociais controversas é a desinformação. Em seguida, cria a ideia de que dar àqueles com pontos de vista opostos mais ou melhores informações deve ser a solução.
Para ser claro, às vezes a ignorância é um obstáculo real. Mas reconhecer esse ponto não significa acreditar que todas as diferenças em questões controversas podem ser resolvidas simplesmente colocando todos na mesma página com relação ao que sabem sobre o mundo. Ninguém gosta de ser tratado como se simplesmente não soubesse de nada, mas a falácia do conhecimento igual faz exatamente isso. Ela não leva a sério valores em oposição.
Infelizmente, a noção é generalizada. A grande maioria dos programas tradicionais de treinamento em diversidade, equidade e inclusão (DEI) é baseada nela. Uma empresa de consultoria DEI afirma em seu site que os participantes irão, após a conclusão do curso, “perceber como seus vieses inconscientes têm impactado suas interações com os outros” – isso apesar da pesquisa em torno de vieses inconsciente mostrar que eles não preveem de forma consistente qualquer tipo de comportamento problemático. Na verdade, por causa dessa inconsistência, o governo britânico eliminou gradualmente o treinamento de viés inconsciente de sua programação há pouco mais de um ano.
Em segundo lugar, a falácia do conhecimento igual também sustenta certos currículos sobre empatia e aprendizagem social e emocional (ASE). Uma das maiores empresas do ramo da ASE twittou no ano passado: “Apegamo-nos à crença de que nosso trabalho deve contribuir ativamente para o anti-racismo”. Mas o próprio conceito de antirracismo é infundido com suposições particulares sobre como o mundo funciona – por exemplo, que a maneira certa de resolver problemas sociais é vê-los através de lentes raciais.
Em última análise, esses programas são baseados na suposição de que, ao transmitir informações sobre a importância de vieses inconscientes e a necessidade de adotar uma postura antirracista, pessoas que eram relutantes enxergarão o próprio erro. Mas isso comete a falácia do conhecimento igual ao supor que a mesma informação levará as pessoas à mesma posição sobre essas questões.
Essa falácia pode explicar parcialmente por que esse tipo de programa é tão problemático. Fortes evidências sugerem que o treinamento DEI não produz resultados positivos e pode até ser contraproducente e gerar ressentimento. As melhores opções se concentrariam na construção de um local de trabalho mais robusto, com a comunicação aberta e respeito à diversidade de pontos de vista.
Concluindo, a falta de informação nem sempre é o que faz as pessoas discordarem. Quando fingimos que é, tornamos ainda mais difícil a comunicação por entre nossas diferenças políticas e ideológicas.